Dinamização mental

"Quando o teu conhecimento se libertar de qualquer ilusão, então compreenderás a verdade daquilo que ouviste e ainda ouvirás, e te possuirás a ti mesmo imperturbavelmente. Anuviu-se a tua mente e dúvidas se apoderaram de ti; quando deste ouvidos a opiniões contraditórias; quando ela se tornar pura, iluminada e firmemente estabalecida no EU, então atingirás a tua auto realização. Quando alguém permanece calmo e sereno no meio de sofrimentos, quando não espera receber do mundo objetivo permanete felicidade e quando é livre de apego, medo e ódio - então é ele um homem de perfeita sabedoria. Quando não é apegado a um e indiferente a outro; enquanto não se alegra em excesso com o que é agradável, nem se entristece excessivamente com o que é desagradável - então é ele um homem de perfeita sabedoria. Portanto o sábio não se entristece com nada, nem por causa dos mortos, nem por causa dos vivos. Quando os sentidos estão identificados com objetos sensórios, experimentam sensações de calor e de frio, de prazer e de sofrimento - estas coisas vêm e vão; são temporárias por sua própria natureza. Suporta-as com paciência! Mas quem permanece sereno e impertubável no meio de prazer e sofrimento, somente esse é que atinge imortalidade. O que é irreal (ex: amor) não existe, e o que é real nunca deixa de existir. Os videntes da Verdade compreendem a íntima natureza tanto disto como daquilo, q diferença entre o Ser e o parecer. A essencia não pode parecer, nem morre ainda que as formas pareçam. Quem pensa sempre em objetos sensórios apega-se a eles. Desse apego nasce o prazer e o prazer gera inquietação. A inquietação produz ilusão; a ilusão destrói a nitidez da discriminação, esquece-se o homem da sua natureza espiritual - e com isto vai rumo ao abismo. Mas o homem que possui domínio sobre o mundo dos sentidos e da mente, sem odiar nada nem se apegar a nada, orientado pelo Eu central, esse encontra a paz. Essa paz neutraliza todas as inquietações, e o homem que goza de paz, goza verdadeira beatitude - e acaba por superar também os males externos. Homem de perfeita sabedoria é aquele que possui perfeito domínio sobre seus sentidos com relação aos objetos sensórios. "

quarta-feira, 7 de abril de 2010

O que se divulga e o que se esconde pelos jornais

Por que não queremos entender os Nardoni?
Os fogos comemoravam o quê? Sorríamos a quê? À graça da justiça? O que mesmo tem isto tudo de alegre?
por Ruy Marques Sposati
[Folha da Baixada]
Há qualquer coisa de complexo no caso dos Nardoni. A começar pelo modo como todos nós o tratamos: “os Nardoni”. Ou “o caso dos Nardoni”. Falamos de uma família. Damos nome. É algo com alguma soberba, tem alcunha, tem história, tem pompa. E há qualquer coisa de bizarro nisso: é estiloso demais. É como “Família Soprano”. Ou “os Kennedy”. Ou Matarazzo. Corleone. Família tradicional, com pai de colarinho branco. Parece haver uma espécie de grandeza na pronúncia, na nomeação; algo de chique, algo de sofisticado.
Algo tão sofisticado, um frisson - como um novo sorvete ou peça de roupa que vira moda. Vira moda, e surge uma necessidade em discutir o caso, carregá-lo por aí, bradar aos ventos uma opinião sobre o assunto. Aqui reside parte da complexidade: sim, enchemos a boca para dizer “os Nardoni”, como se falássemos dum rei ou de antigos aristocratas. Ao mesmo tempo, temos ódio: queremos que mofem para sempre na prisão. Queremos que “os Nardoni” fiquem na prisão para o resto da vida. Não, não seremos clementes. Nada importa. São monstros, monstruosos, esses Nardoni.
Quem escolheu os Nardoni
Quem alçou o caso - que é pura barbárie, sem dúvida - à condição de comoção nacional foi a imprensa. Lucrou milhões com os Nardoni, especulando detalhes sórdidos, transmitindo a reconstituição do crime, passo-a-passo, tal como uma novela, diariamente, recheada de sentimento, romance, personagens exóticos - como o “perito baiano”, que não era apenas um perito criminal, suspense, dúvidas… Constituiu o enredo, e nós assistimos. Como quando fomos até o cinema ver a novidade em 3D de Avatar (e ambos ganharam o Oscar que mereceram).
Para que serve o jornalismo? Serve para transmitir conteúdo às pessoas - conteúdo este que contribua para elevar o nível de informação, de consciência e de compreensão da realidade. Todos os dias, milhares de crimes ocorrem no país. Os jornais ficam sabendo deles e selecionam uns ou outros como assuntos do dia, através de critérios de relevância social. E no exato dia em que escolheram os Nardoni como o grande acontecimento dramático do país, aconteceu uma outra coisa muito, muito cruel no território brasileiro. A pouca relevância dada a este caso prova o tratamento desproporcional dado aos Nardoni, em detrimento de outros. Para não incidir em repetições, citamos o jornalista Hamilton Octávio de Souza:
“No mesmo dia da morte da menina, 150 soldados da tropa de elite da Polícia Militar do Rio de Janeiro invadiram uma favela e assassinaram 10 pessoas. Não foi a primeira vez, nos últimos meses, que a PM do Rio cometeu tamanha barbárie contra uma comunidade pobre. No entanto, a grande imprensa nacional deu apenas um pequeno registro desse crime violento praticado pelos agentes do Estado.
Do ponto de vista da relevância social, o crime do Rio atenta contra toda a sociedade, pois representa uma violação bárbara de direitos. No entanto, o tratamento dado para esse genocídio carioca é o da banalização total do crime, é o do rebaixamento do valor das vidas humanas porque os mortos estão localizados na escala mais baixa das condições de vida no país”.
Filé Mignon
O caso dos Nardoni era um tipo de filé. Através dele, ainda podia-se explorar muita emoção, muita passionalidade, muita raiva. Era muito mais chocante. Como a nova montanha-russa instalada em um parque de diversões. O espetáculo final do julgamento foi transmitido nacionalmente em canal aberto, em tempo real e integral por todas as emissoras brasileiras. Foi o apogeu da nossa militância pela culpabilização dos pais: estávamos todos lá, em corpo ou espírito. Com faixas. Bandeiras. Camisetas customizadas. Sorrisos, fogos preparados (como em dias de final de campeonato), gritos de guerra, coros, rostos vociferantes. Os fogos comemoravam o quê? Sorríamos a quê? À graça da justiça? O que mesmo tem isto tudo de alegre? Que motivo de alegria é este que, ao mesmo tempo, não parece ser profundamente sombrio, na medida em que neste crime residem problemas de classe social, de castração psicológica, de autoritarismo, de crise de geração, família, patriarcalismo modernizado, problemas financeiros, violência infantil, violência doméstica, anti-pedagogia, incomunicabilidade e, em larga escala, de uma espécie de sintoma da era moderna da nossa crise de civilização?
Perguntas e Respostas
Com efeito, este assassinato levanta questionamentos importantes - e sem dúvida, graças à insistência midiática, virou assunto de todo mundo. Na prática, perguntamos uns aos outros: que amor de família é este? Afeto, humanidade, responsabilidade com o outro, cadê?
Mas a resposta que nos empurraram - e nós também vínhamos atrás, paradoxalmente, empurrando-na - era a da “sede por justiça”. Alguns apenas sorriam, choravam de emoção, gritavam ou soltavam fogos ao som dos alto-falantes postos na porta do julgamento. Contudo, certamente, do fundo dos nossos corações, esperávamos que os juízes assumissem secretamente um último desejo nosso, uma vontade cruel, e conduzissem nossos Nardonis ao caminho público do Fórum de Santana, onde todos poderíamos linchá-los, dar nossas contribuições no espancamento e aniquilação da existência do casal. A monstruosidade Nardônica despertaria em nós, e emplacaríamos a mesma crueldade numa escala infinitamente superior. Na cerveja, na oração ou na labuta do dia seguinte, nos entreolharíamos, em silêncio, como se disséssemos: “sim, o homem é mau”.
Sambando?
O triste caso trouxe centenas de perguntas que, de maneira geral, fomos inábeis em conseguir respostas interessantes. Agora, com a sentença, surge uma nova pergunta, e esta talvez possamos explorar com mais calma: O que entendemos deste assassinato? O que foi que ficou, depois de tantas horas pensando, assistindo televisão, apostando em quem era culpado, quem ia ser preso, quantos anos pegariam? O que assimilamos disso tudo? Será preciso muitas outras ocorrências deste tipo até que estejamos amaciados, não nos emocionemos e possamos avaliá-lo friamente? Para que possamos tratá-los como o fazemos com as mortes nas favelas? Ou para entendermos seus porquês, e entendamos o que é que precisamos, realmente, combater ou defender? Será que é na porta de um Fórum que reside nosso espaço de atuação democrática, sambando a uma câmera?
Sem dúvida, a mídia corporativa não consegue explorar “bobagens filosóficas”, ou melhor dizendo, reflexões. Isso precisamos fazer coletivamente, mas fora da imprensa. É um esforço nosso. Não recorramos sempre à televisão. Do contrário, estaremos investindo esforços, inteligência e dinheiro em um sistema que não se negaria a convidar a mãe de Isabella a posar nua em revista impressa, coroando o bolo da estupidez com a última das cerejas silvestres.

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