“Embajador em el infierno” é o título de um livro publicado em 1955, em Madrid, escrito a quatro mãos pelo capitão do Exército espanhol Teodoro Palacios Cueto e pelo jornalista, escritor e nobre madrilenho Torcuato Luca de Tena. Foi sucesso à época e vencedor do Prêmio Nacional de Literatura da Espanha. É a história dos 11 anos de cativeiro do capitão Palacios na União Soviética, desde sua captura em fevereiro de 1943, numa ofensiva russa perto de Leningrado, até sua repatriação, em março de 1954. Ele fazia parte da célebre Divisão Azul, força espanhola cedida por Franco a Hitler, quando da Operação Barba-Roxa, a invasão nazista da União Soviética.
Condenado a 25 anos de prisão por um tribunal soviético, como quase todos os prisioneiros de guerra feitos pelos russos em seu território, Palacios passou por 13 campos de prisioneiros, antes de ser devolvido à Espanha, na esteira do diálogo aberto por Kruchev após a morte de Stalin.
Além de lançar luz sobre um tema obscuro, o destino dos prisioneiros feitos pelos russos na 2ª Guerra, o livro mostra alguns aspectos da vida atrás da Cortina de Ferro. Um exemplo: o número de presos nos cárceres de Stalin, estimado por Palacios em suas andanças de prisão para prisão, e em conversas com prisioneiros russos (muitos deles garotos de até 11 anos) com que conviveu: 37 milhões, aproximadamente (nem a KGB tinha o número exato). Se abatermos desse total os 6 milhões de estrangeiros, prisioneiros de guerra, restavam mais de 30 milhões de cidadãos soviéticos (15% da população).
E quem eram eles? Palacios fala em três categorias: 1) Prisioneiros políticos, ou seja todos os que caíram na malha policial pelo que era chamado “desviacionismo”, algo que poderia significar qualquer coisa, desde uma conspiração pelo poder, até uma palavra mal posta numa conversa com um vizinho, denunciada por um olheiro do regime. Ou pertencer a alguma minoria (ser judeu, por exemplo) de que Stalin desconfiasse. 2) Bandidos (os blatnois) que agiam na enormidade geográfica da URSS, assaltando vilarejos, roubando gado. Segundo Palacios, eram numerosíssimos, graças às florestas e montanhas presentes na imensidão russa. 3)Os guerrilheiros políticos (os banderas) ainda existentes, na década de 1950, principalmente na Ucrânia e Bielorússia, apesar da enorme máquina repressiva de Stalin. Algo que Palacios afirma — e que era uma novidade à época — é o abismo entre a miséria da população e a riqueza da URSS. As obras suntuosas — como o metrô de Moscou — contrastavam com a falta de infraestrutura (energia, água tratada, esgoto) e de comodidades modernas (como geladeiras e outros eletrodomésticos), algo já banalizado no Ocidente na década de 1950. As enormes fábricas eram de material bélico, principalmente.
Outro aspecto que chamou a atenção de Palacios foi o da produtividade no campo. A despeito das terras fertilíssimas, desde Lênin, a URSS nunca conseguiu produzir alimentos na quantidade suficiente para alimentar seu próprio povo, sendo constantes as crises de fome, com milhões de vítimas. O completo desprezo pelos direitos e sentimentos individuais, era espantoso, para os padrões de qualquer ocidental.
Palacios, trabalhando em uma colheita de grãos, conheceu um grupo de jovens russas, que faziam o mesmo trabalho, perto de Vladmir, a leste de Moscou. Contaram a ele que pertenciam a um grupo treinado na guerra como motoristas de caminhão, 30 no total, para ali enviadas desde Odessa, 2 mil quilômetros ao sul, para dirigir os veículos de uma cooperativa agrícola.
Lá chegando, viram que, por um desses enganos da pesada e ineficiente burocracia soviética, outros motoristas já haviam ocupado as vagas. Foram então designadas para trabalhar como lavradoras. Por quanto tempo? Quis saber Palacios. Não sabiam. Talvez por toda a vida. Separadas das famílias? Sim. Quando poderiam rever os pais, irmãos, parentes? Não faziam a mínima ideia. Talvez nunca. Não acreditaram nele, quando disse que na Espanha cada um era livre para escolher o trabalho que melhor combinasse com sua vocação, e a cidade onde morar. Menos ainda quando ele disse que uma jovem espanhola poderia ter seu próprio carro e viajar para onde quisesse. Mas, e o “propus” (salvo-conduto)? Queriam saber. Não há salvo-conduto para viajar pela Espanha, explicou para as moças incrédulas, que respondiam: “— Mentira! Propaganda capitalista!”.
Palacios, na prisão,nunca se dobrou aos russos. Milagre ter sobrevivido.